MENTES INSACIÁVEIS:
Anorexia, bulimia e compulsão alimentar
Anorexia, bulimia e compulsão alimentar
Autora: Dra.
Ana Beatriz Barbosa Silva
Editora: Ediouro
Editora: Ediouro
CAPÍTULO 1
Transtornos
alimentares: Sinal dos novos tipos
Nos
últimos anos, determinados comportamentos associados à alimentação e à imagem
do corpo têm sido generosamente divulgados pelos meios de comunicação,
principalmente na cultura ocidental. Os jornais, as revistas, as novelas, os
documentários, os programas de entrevistas ou os de caráter informativo vêm
direcionando sua abordagem especialmente para o público jovem e isso não é por
acaso, uma vez que os transtornos alimentares costumam apresentar suas
primeiras manifestações na adolescência. Os transtornos alimentares mais
relevantes em nosso contexto sociocultural são: a anorexia nervosa (AN), a
bulimia nervosa (BN) e a obesidade. Tal relevância se deve ao significativo
aumento do número de casos que tem sido constatado nos últimos anos, a ponto de
se utilizar a expressão "epidemia de culto ao corpo", principalmente
quando nos referimos à anorexia e à bulimia nervosas.
A
Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que atualmente haja cerca de 180
milhões de obesos adultos no mundo, sendo que esse número se torna
significativamente maior se considerarmos os indivíduos com sobrepeso e que por
isso mesmo apresentam um risco aumentado de se tornarem futuros obesos.
Apesar
de a obesidade não ser classificada como um transtorno mental, e portanto não
ser oficialmente considerada uma categoria diagnóstica dentro dos transtornos
alimentares, resolvemos incluí-la neste livro por julgarmos que a obesidade
apresenta aspectos de funcionamento muito semelhantes aos transtornos
alimentares como a anorexia e a bulimia nervosas, em função de a mesma
caracterizar-se por perturbação no comportamento alimentar, com presença de
diversas alterações patológicas associadas, que freqüentemente necessitam de
intervenção psiquiátrica.
O
maior conhecimento sobre esses desvios do comportamento alimentar e da
autopercepção corpórea, a maior divulgação pelos meios de comunicação e também
pela generosa exposição de pessoas comuns e principalmente de pessoas públicas,
que assumem suas dificuldades em controlar seu quadro de anorexia ou bulimia,
fizeram com que as estatísticas mais recentes apresentassem uma curva
crescente, que parece não ter previsão, a médio prazo, de sequer estabilizar-se
em um determinado patamar. O efeito se mantém em espiral crescente. Como
afirmamos, a anorexia e a bulimia são hoje consideradas epidemia de fato nas
sociedades ocidentais, principalmente as mais industrializadas. Segundo
Ballone, esses transtornos têm a grande maioria de seus casos entre pessoas do
sexo feminino, sobretudo as adolescentes e as adultas jovens, que representam
mais de 90% dos casos de anorexia e bulimia. Não podemos esquecer que nas
sociedades industrializadas, onde há excesso de alimentos, luxo e luxúria, ser
magra é considerado um dos maiores atributos de atração feminina. Já para os
homens o grande atrativo é ser forte e poder exibir músculos salientes – por
isso na adolescência eles costumam apresentar um desvio da autopercepção
corpórea conhecido por dismorfia muscular, vigorexia ou complexo de Adônis, no
qual se consideram incapazes de exibir aos outros a quantidade de massa
muscular que gostariam de ter.
Quanto
à obesidade, o que nos tem saltado aos olhos e ligado o sinal vermelho de
perigo é o grande aumento ocorrido na faixa etária infantil nos últimos 15 a 20
anos. A sedução explícita das grandes redes defast-food com
brindes coloridos, jogos recreativos e salões para festas comemorativas com
coleguinhas são atrativos irresistíveis para os pequenos e para muitos
grandinhos também.
Apesar
de a obesidade também acometer adolescentes e adultos em diversas faixas
etárias, nossa preocupação com as crianças se deve principalmente às
repercussões negativas em suas auto-estimas. Em função da obesidade estas
crianças vão crescer sob enorme pressão psicológica e sociocultural por um
padrão estético de magreza, sem falar nas complicações clínicas tão comuns em
quadros de obesidade (alteração de taxas de colesterol, de pressão arterial, de
taxa glicêmica, de função renal, etc.). A não-correspondência ao padrão
estético culturalmente cultuado desencadeia discriminação social e um grande e
quase insuportável sentimento de auto-rejeição, que acaba fazendo com que essas
crianças adotem um comportamento defensivo do tipo social (isolar-se) ou
caricato (expor-se na pele de um personagem brincalhão e extrovertido). Ambos
os comportamentos expressam dificuldades nos relacionamentos sociais e afetivos
que tendem a progredir e atingir graus insustentáveis de sofrimento na vida
adulta. Também não é incomum que crianças obesas apresentem doenças auto-imunes
como, infelizmente, temos visto em nossa prática clínica diária. Os casos mais
comuns têm sido vitiligo (despigmentação da pele) e colite ulcerativa (cólicas
abdominais com diarréias intensas com presenças de sangue e muco).
Podemos
observar o sofrimento de Aline, estudante, 18 anos, quando fala sobre seu
transtorno alimentar:
Não sou magrinha até porque quem sofre de bulimia
nunca é magro demais! Admiro a força de vontade das anoréxicas, pois não é
qualquer uma que consegue viver sem comida... Consegui ficar 15 dias sem comer
nada e emagreci 8kg, mas quando voltei a comer eu recuperei toda a banha
perdida. Sou bulímica, tomo laxante sim, tomo chás e vomito, é claro. Um dos
motivos principais de eu não ser "Ana" é que não tenho condição
financeira para pagar os remédios inibidores de apetite, que além de caros só
são adquiridos em mercado negro. Sou vegetariana e também não como
carboidratos, mas mesmo assim não sou magra, só consigo manter meu peso. Não
consigo ir ao banheiro quando fico em restrição alimentar, então quando estou
de dieta preciso de laxantes e diuréticos, que já viraram muletas para mim. Sei
que a minha família e meus amigos me acham ridícula, sabem que uso remédios
laxativos, mas não se dão conta de que isso é ser bulímica... Quem acha que
distúrbios alimentares são frescuras de meninas mimadas é muito ignorante, pois
esse é um problema que pode atormentar a pessoa para o resto da vida, uma
doença terrível! Não me aceito quando me olho no espelho... Tenho noção de que
emagreci muito, mas não o bastante para ser feliz porque ainda tenho um quadril
enorme e tenho uma facilidade absurda para ganhar peso, coisa de família mesmo.
É
importante destacar que os transtornos alimentares são patologias que
necessitam ser diagnosticadas e tratadas o mais precocemente possível, uma vez
que sua incidência tomou proporções de epidemia e sua gravidade tem feito
muitas vítimas, inclusive fatais. Porém, não podemos, em hipótese alguma,
deixar de ver o aspecto sociocultural destas patologias, uma vez que a formação
da auto-imagem corpórea e dos hábitos alimentares de cada pessoa são fortemente
influenciados pela maneira pela qual os membros de uma sociedade pensam e agem
com relação ao que seja ter um corpo e uma alimentação saudáveis e
esteticamente apreciáveis. É a medicina do comportamento ampliando seu
território de análise e compreensão nos chamados "tempos modernos".
Esses não são tão coloridos e perfeitos quanto havíamos sonhado na metade do
século XX, com o único intuito de ajudar as pessoas, qualquer uma delas, a
viver em sintonia com sua essência e, com isso, tornarem-se mais independentes
de padrões preestabelecidos que as colocam numa missão impossível de ser o que
nunca conseguirão manter (a suposta perfeição) e que as fazem esquecer de
cuidarem do que realmente são e poderiam vir a ser: felizes!
Dra. Ana Beatriz Barbosa
Silva
Médica graduada pela UERJ com pós-graduação em
psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora
Honoris Causa pela UniFMU (SP) e Presidente da AEDDA – Associação dos Estudos
do Distúrbio do Déficit de Atenção (SP). Diretora técnica das clínicas Medicina
do Comportamento do Rio de Janeiro e em São Paulo, onde faz atendimento aos
pacientes e supervisão dos profissionais de sua equipe. Escritora, realiza
palestras, conferências, consultorias e entrevistas nos diversos meios de
comunicação, sobre variados temas do comportamento humano.
Livros Publicados:
Mentes Inquietas - TDAH: Desatenção, hiperatividade e impulsividade [Publicação revista e ampliada]
Mentes e Manias: TOC: Transtorno Obsessivo-compulsivo [Publicação revista e ampliada]
Sorria, você está sendo filmado (em parceria com o publicitário Eduardo Mello)
Mentes Inquietas: Compreender o distúrbio do défice de atenção (DDA) // Editado em Portugal
Mentes Insaciáveis: Anorexia, bulimia e compulsão alimentar
Mentes Ansiosas: Medo e ansiedade além dos limites [Publicação revista e ampliada de Mentes com Medo]
Mentes Perigosas: O psicopata mora ao lado
Bullying: Mentes perigosas nas escolas
Mentes Peligrosas: Un psicópata vive al lado // Editado na Argentina
Mentes Peligrosas: Un psicópata vive al lado // Editado no México
Mundo Singular: Entenda o autismo
E-mail: anabeatriz@medicinadocomportamento.com.br
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